12.10.07
dois anos
Daqui a umas horas (há dois anos) estou deitada numa sala a olhar para um aparelho que conta as batidas do teu coração. E esse momento é tão breve mas o mais importante da vida até ali e nunca mais me esqueço. Estou ali depois, deitada nessa sala a ver o teu coração a bater em formato digital, lentamente e nessa altura ainda não sei nada: penso que posso morrer feliz e descansada que está tudo bem. Só dias mais tarde se cristaliza a certeza que não é assim, que não se pode morrer feliz e descansada quando há no mundo alguém que nunca será amado daquela forma, não enquanto precisares de mim.
Há dois anos resolveu-se em mim eu mesma. O que era antes, nem sei, eu também, provavelmente, mas isto que me transformei, isto que sou, isto é o melhor de mim, o meu lado completo e feliz, às vezes, tão absolutamente feliz que quase se duvida que se mereça uma felicidade assim. Impossível colocar em palavras o que é ser mãe e eu que vou tentando há dois anos, mas não sei onde começa ou onde acaba ou por onde passa. Registo os bocadinhos pequenos, aqueles que me iria esquecer e talvez um dia mais tarde perceba - ou percebo já, de forma ainda tosca e incipiente - que tudo aquilo é a imagem do que se sente, todos os bocadinhos, os bons e os menos bons e aqueles em que apetece ir comprar cigarros e voltar daqui a vinte anos e os outros, aqueles em que fugimos para soltar umas lágrimas que teimam em cair e que são tão complicadas de explicar "também se chora quando estamos felizes, filha".
Há dois anos que, às vezes, nem sei de que terra sou. Às vezes (muitas, às vezes demais) passo-me e berro e tenho fúrias e depois vejo o espelho nas fúrias dela e envergonho-me. Às vezes rebento de orgulho, outras de tristeza, outras ainda de preocupação e sempre de angústia, essa que vive ao lado do amor. Às vezes duvido que consiga fazer dela uma mulherzinha de bem no meio de um mundo tão cão. Outras reconheço-lhe uma força brutal e penso que talvez, talvez não esteja totalmente no caminho errado. Às vezes vejo-a a crescer tão depressa e surpreendo-me e depois o espanto também, quando é ainda uma criança pequenina afinal. Trocam-nos as voltas todas, eles, baralham e tornam a dar e, não sei lá como é, trazem com eles todos os trunfos e o ás de espadas e nós só podemos manter-nos à tona dessa coisa enorme que é a maternidade sem ter pé.
Há dois anos, quando me a deram para o meu lado e eu fiquei a olhar para aquele milagre sem saber ainda nada do resto, apenas deslumbramento sem medo, transformei-me em mãe. Tenho tentado ser sempre mãe, pois para mim nada se divide e não se é menos mulher por se ser mãe, antes pelo contrário e não sinto que tenha perdido o que quer que seja mas sempre ganho, seja em desespero ou absoluta maravilha. Posso agora, ao fim de dois anos, fazer o balanço que se calhar nunca me atrevi, talvez por receio de parecer arrogante. Mas tenho a absoluta certeza que a minha opção de prioridade total é a certa. É possível que seja um daqueles caminhos menos simples, com mais pedras, algumas até das que não saem dos sapatos; mas é a minha opção e sinto-a certa. Para mim e para ela, essa mulher da minha vida, ainda pequena, que dorme à espera de acordar mais crescida, mais alta, maior, enfim, cheia de pressa de ser grande. E eu, mãe dela, babando (como é evidente) à espera que acorde para lhe dizer, num abraço imenso
parabéns, meu amor.